Nem tudo passa...

Lembrança de quem se foi, amor que se despediu

Sonho que construiu

Dor que não curou

Alegria do reencontro, amizade que distanciou

Bem querer por quem já foi seu

O momento do êxtase

A memória que fez morada

Conhecimento que conquistou

Admiração de quem ajudou

O esperar sem expectativa, esperança que foi e voltou

Nem tudo passa...

Só o que não somou

Infância no interior de Minas tem seu charme. Nasci em Laranjal, cidade pequena, daquelas em que placa de "seja bem-vindo" é a mesma de "volte sempre". Quase não tinha carro na rua que a noite, virava campo de "queimada" e futebol. Nossos melhores amigos eram os vizinhos. Dia de chuva... famílias nas varandas. Por certo se acabasse a luz e parasse de chover tinha "galinha-preta", o que sempre acontecia pois mais faltava do que tinha luz.

Não que ser humano do interior fosse diferente ou especial. Olhando para dentro das casas, pela lupa, lá estavam as brigas, os problemas, a dor. Mas dia de chuva era diferente. O tempo parava para o amor entrar, mesmo que fosse embora à seguir.

Tempo fechava e lá íamos nós para varanda. Goteiras em todos os cantos, panelas pelo chão onde se ouviam os "plins" das gotas caindo. Junto à raios e trovões, o som de nossas vozes: "B6... submarino, C4... porta-aviões". Eu e meus irmãos jogávamos o Playstation de última geração da época: Batalha Naval. Minha mãe esperando que alguém coçasse suas costas, o que sempre sobrava para mim, a caçula.

Aquele cheirinho de terra molhada se misturava ao canto da chuva caindo na rua. Se fizéssemos barquinhos de papel, dava para vê-los descerem com a correnteza pela calçada. E assim a noite encantava e sorria dentro de mim.

Fim de chuva, sem luz, era hora de "galinha-preta". Rapidamente alguém aparecia com o jornal enquanto outro o formatava formando um balão improvisado, que para nós parecia uma galinha. Aí era colocar fogo nas pontas e gritar:

- Sobe "galinha-preta", sobe "galinha-preta".

E lá ia a galinha iluminando a escuridão, até o céu.

Hoje as chuvas causam enchentes, perdas financeiras e humanas. O clima mudou, as pessoas mudaram. A tela do computador substituiu a varanda e a conversa em família. Até as "galinhas-pretas" foram proibidas devido ao risco de incêndio. A meninada não se conhece ou brinca mais. Crises de ansiedade e pânico são comuns entre adolescentes, que se empanturram de remédios para dormir e acordar. Acalmar e estimular.

O amor que vinha com a chuva acalentar, hoje se fecha na tela do computador, do celular, do marketing virtual, com belas cenas e sorrisos. Pura falsidade. O mundo não consegue parar para brincar. Há uma pressa em viver como se não fosse a morte o destino final.

E a inocente "galinha-preta" não sobe mais, exceto nos meus sonhos de menina, rodeada de bem querer no interior de Minas Gerais. Ela fica à espera de alguém que tenha tempo a perder com pequenas emoções. Que se desconecte e grite:

- Sobe "galinha-preta", sobe "galinha-preta".

Para então subir e brilhar no céu de quem queira sonhar. 

Música

 Viaja dentro do que foi ou deixou 

Percorre caminhos obscuros

Canta na alma, transporta para o mundo dos sonhos

Real, se o pensamento é a verdade do ser

Mas se cala na desesperança

Silencia

Até que no lapso, cantarola

Incomoda a memória

Insiste em sobreviver

É emoção que escorre pelos olhos

Alegria, tristeza, dor

Silêncio

Barulho que explode, sussurro que ouve

Encontro que cicatriza

- Olha amiga, diante da situação, é melhor furar a pustema.

- Será? Mas de que jeito?

- Uai, vai lá e fala.

- Falar o que se a pustema é emocional, puramente minha?

- Então fura em você.

- Já furei e encheu de novo.

- É porque não furou pra valer.

- Mas tem pustema que fica ali incomodando, fazendo a gente refletir. Vai ver a minha é assim.

- Então não reclama de estar confusa.

- Amiga, todo mundo tem situação mal resolvida, difícil estar 100%. Tem pustema para todo lado. Pustema de relacionamento, como furar? Tem dia que tá bom, outro ruim. Digamos que a pustema de relacionamento flutue. Pustema de passado... mesmo esquecido e perdoado, tem hora que volta. E na profissão? Bota pustema nisso! Mas se a gente gosta vai tocando, com pustema e tudo.

- Mas você então não quer mudar nem resolver nada.

- Quero sim, tô só desabafando.

- Então tente resolver uma a uma.

- Olha, acho que nem sempre as pustemas devam ser furadas ou revistas. Talvez melhor mesmo seja se reinventar a partir delas. Porque a gente muda com elas. Mesmo sem furar. Digamos que as dúvidas, dores e decepções façam parte da gente.

- Se não quer furar a pustema, vai ficar sempre sem saber. Não terá resposta de como seria se resolvesse aquilo e de que forma sua vida prosseguiria.

- Sinceramente, não quero furar pustema porque me repenso com elas.

- Então você é um monte de pustema.

- Vai ver somos.

 Sonhos humanos, paixões

Desilusão e desencanto quando se vai

Vazio quando se realiza

Enquanto sonho, habitava o desejo

No mundo real, passa a querer mais

Querer diferente

Então, não há sonho que se alimente de rotina

Mas se é sonho de bem querer

de paz, harmonia

de amor desinteressado

sem desejo egoísta de possuir

Esse sim

Quer o bem, que o outro esteja bem

Sonhos certos, por dizer

Para esses, não há preço

O que dizer sobre perder alguém, que é parte de você?

Sinceramente, não há dor maior. O mundo muda de um minuto para o outro e você se pergunta: "Como todos podem continuar com suas vidas se a dor que sinto é tão grande?" Parece errado. O mundo também tinha que parar e sofrer.

Perder alguém que se ama é ficar sem um pedaço, uma sensação de vazio. Não se é como antes, sente-se a finitude, as escolhas precisam ser especiais. Há então dois caminhos a seguir. No primeiro, você fica deprimido e amargo. No segundo tenta se refazer e prosseguir.

Após a morte da minha irmã resolvi ser feliz por ambas. Entretanto, não me senti completa novamente. Entristeço, desanimo, e depois penso que devo a nós a felicidade. E lá vou eu com meus tropeços tentar. Para ela tentar era se arriscar, achar novos caminhos. Para mim é só continuar pensando, me entendendo. Sempre fomos tão diferentes e iguais, que às vezes ficar no lugar e voar se equivalem. É assim que sinto. Um pé à frente e outro preso ao chão, voos rasos perseguindo nossa felicidade.

Hoje, 14 anos após sua morte, ainda penso nela com um misto de dor e saudade. Prossigo vivendo por nós. Sei que minhas realizações serão as dela, rumo ao que sonhamos ser. Eu na minha casa, ela viajando de navio, vibrando em mim. Eu passeando com ela.

Não há saída para a dor da perda. É deixar o tempo passar e Deus cicatrizar. Mas a dor fica lá, pulsando no peito, junto às recordações de como era bom estar ao lado, comendo bucho, tomando cerveja.

Quero crer que um dia nos encontraremos, sei lá em que dimensão. E dançaremos juntas. Tomaremos nossa cervejinha com bucho. Porque amor não se acaba, só se transfere, muda de cor.

É o sonho de quem perde.

É a esperança se sobrepondo a dor. 

 Toda escolha leva à perda, do caminho que se foi

Voa no tempo, nas lembranças

No destino que não viveu

A escolha que não fez, sangrou no peito chorou sem ser

Partiu para longe do amanhã

Se

Se

Se

Dor e dúvida de não saber

Viu sem saber como sentir

Gostou mas deixou voar

Ouviu, tocou, para então partir

Ficou

Virou não se sabe o quê

Cresceu sem sentido por entre as carências

até se perder

Sem respostas deixou ir

Desapegou

Porque não amou de volta, não olhou como devia 

Não tentou ou chamou

Parecia não importar

Até que um e outro no desencontro se encontrou

e despediu

Triste dor do amor, de não ser

Nas montanhas de Minas, o mar se transforma

fica doce, suave viajante

misteriosa neblina

Dois opostos ou uma diferença de olhar?

Se o desejo perdido foi sonho

A ilusão sumiu na razão

Já o sonho...

Se vira rotina, aquela que abraça os sentidos

o cheiro, o toque, o gosto

se permite a insensatez de voar com os pés no chão

Sonho ou realidade, só faces diferentes

e um mesmo olhar

Menino doce

Pluma roxa no cabelo, colorindo seu ser

Pobre, vivendo de esperança

sem casa

com HIV

Sorrindo ao falar

Brilhando sem notar

Trans de amor

Menino de Deus

 Lá pros lados do Mingu

havia uma bica de água pura

jorrando água, esperança e sonho

Com o desmatamento, a bica secou

restando dor, o amor que se apagou

Dessas coisas sem sentido

Com o tempo a água voltou

Um marido zeloso que por lá caminhou

Achou que a esposa doente, da água precisava beber

Varreu todo o chão do caminho

e até a bica ele a levou

A esposa com a água se curou

Coisa que só viu, quem no sonho acreditou

Dizem que a biquinha de água pura

dessa vez jorrou amor

Vampiros sedentos 

Mortos sem voz

Corra pela vida, mas não se perca

Há sempre uma cova vazia à espreita

Um dia me deparei com ele, um inevitável cabelinho branco, pode-se imaginar onde. Engraçado, nunca achei que teria que lidar com cabelos brancos ali. Rapidamente tirei com a pinça e me tornei uma vigilante atenta a eles. 

Encontrei com minhas amigas 50 plus e lá pelas tantas cervejas, contei o fato para ouvir: “vá se acostumando, não param mais de aparecer”. Fiquei revoltada. "Como assim… vocês, amigas da onça, nem para avisar". Choramos de rir.

Eu e minhas amigas deixamos o cabelinho branco virar um marco na nossa história e até nos orgulhamos deles. Não adianta lutar contracorrente, opps, velhice. Virá mesmo, algo que nenhum chip da beleza irá deter. 

Então, melhor que seja ao lado de bons amigos, com um baita copo de cerveja.

 Ele veio em minha direção às 7 horas, passos trôpegos, roupa desgrenhada, cerveja glacial na mão. Com uma boca sem dentes me deu bom dia e pediu mil reais.

Olhamos um para o outro, rimos e nos despedimos. Fomos embora, cada qual na sua direção.

Porque 10 reais, se pode pedir mil?

Alegrou minha vida que não quis mais se contentar com dez.  

 Ao estar com você

Vejo o que não via

O meu eu se juntando

O amor se aconchegando

Interessante o envelhecimento. Conversei com uma mulher linda e descolada, 50 plus, que está assumindo seus cabelos brancos. Me contou que um rapaz no supermercado disse a ela para se cuidar, como se os cabelos brancos significassem desleixo. Ela riu e com bom humor respondeu que se cuida mais hoje do que quando pintava seus cabelos semanalmente.

Inversamente, fiquei ciente de que hoje mulheres de 30+ estão implantando chips de beleza, se submetendo a doses hormonais excessivas e pouco estudadas, além de estarem tomando um soro milagroso da beleza. Tal tratamento além de caríssimo carece de comprovação científica e deveria sim, ser fiscalizado pelo CRM.  

A busca eterna pela juventude massacra principalmente mulheres, as mais cobradas culturalmente. É uma nova forma de escravidão. Elas se esquecem de que se cuidar significa comer bem, exercitar, manter vínculos afetivos saudáveis e ter contato com a natureza. Esquecem também de que a velhice virá de qualquer forma (exceto para quem morrer antes). A beleza externa definitivamente irá mudar, mesmo com todos os tratamentos estéticos disponíveis. Não significa que a beleza irá acabar. Irá tomar novas formas, envelhecer.

Por sua vez, há homens que não desejam suas mulheres depois que envelhecem. No seu íntimo, o desejo se associa à juventude. Caminharam juntos, criaram filhos, construíram patrimônio. Mas o desejo se perdeu com o tempo, nas rugas, nos quilos a mais. Com isso, deixam de viver uma fase que poderia ser sexualmente livre. Não enxergam suas mulheres idosas como gostosas. Saem em busca da juventude perdida em outras relações. Por outro lado, há mulheres que só se despertam por jovens. Querem se sentir desejadas e atraentes. Buscam rapazes e ali na frente, reclamam de traição ou falta de conexão. Claro, há exceções, pessoas que se amam apesar da idade e aparência. 

O culto à beleza, à Barbie, assombra o envelhecimento. Nada contra um procedimento que a faça se sentir melhor, sem exageros, sem neura. Nada contra pintar cabelo, se gosta deles de outra cor. Mas sejamos sensatos, para não nos perdermos no caminho.

No fim, o que tememos com o envelhecimento, é a finitude e a morte.

Projeção 

Disfarçada de sonho

Até se perder de você

Calma, vai passar

Amores se vão

Sonhos também mudam de cor

Calma, um alento vai chegar

As flores vão abrir

A chuva vai acalmar

E a vida que virou pó, novo formato irá tomar

com jeito de mudança, nada vem para ficar

E o amor que irradiar

aqui sempre vai ficar

Calma, se deixe sossegar

O que não lhe fez bem, ou não quer ficar

O pensamento e a dor

O sonhar que não ficou

Deixa a angústia se perder

Larga pra trás a raiva, a mágoa, o choro

Esqueça o que não foi bom até o inconsciente acreditar

Então, esvaziado de si, reencontre

Volte a sonhar com o que ficou

Música, cerveja, bons amigos, traga pra si

É só deixar ir, o que não veio pra ficar

 Uma gestação, 9 meses

Uma boa notícia, 1 minuto

Um sonho, uma vida

Para o amor, há tempo?

A felicidade, essa se espera sempre

O plantão seguia como de costume. Médicos conversando assuntos amenos para tirar o foco do stress de um pronto-socorro. Se tocava a sirene imediatamente os profissionais responsáveis se apresentavam para o atendimento de emergência.

O Hospital foi inaugurado às pressas em benefício de algum político, em ano eleitoral. O bloco cirúrgico não estava equipado e casos que precisassem de cirurgia, eram encaminhados a outro Hospital de referência.

Primeiro toque de sirene, uma crise hipertensiva. Depois um quadro convulsivo. Novo toque de sirene.

Era uma criança de camisola branca com uma “bala perdida” em seu tórax. Rapidamente os profissionais foram socorrer a criança, que precisava ser operada com urgência. O sangue jorrava pelo orifício de entrada da bala no peitinho da criança. O clínico tentou conter o sangramento até que o cirurgião equipasse a ambulância para o transporte de emergência. Pediatra solicitou bolsa de sangue, enfermagem puncionou acesso, colocou oxigênio, tudo em vão. Segundos de horror se passaram, sangue por todo lado e o desespero estampado no olhar e nas atitudes dos profissionais. Foi quando a menina olhou para aquele monte de gente de branco em cima dela e perguntou:

- Eu morri? Estou no céu? Vocês são anjos?

Cirurgião e clínico desataram num choro doído, enquanto os olhinhos da menina foram ficando distantes, lívidos, até se apagarem.

Ela os viu como anjos, quando na verdade ela era o anjinho que se foi para longe da ambição dos políticos e da impotência dos médicos. Se foi como uma nuvenzinha e se misturou ao céu. Não teve chances de ser salva. Bateu asas e voou.

Nunca mais o plantão foi o mesmo. Médicos se demitiram. O Hospital foi equipado adequadamente.

No chão do pronto-socorro ficou o sangue da menina misturado às lágrimas de quem até hoje chora por ela.

Ficou também a esperança de que no amanhã, os homens que detém o poder trabalhem pelo próximo e não pelos próprios interesses, porque tudo na vida tem consequências.

Ficou ali no chão o sentimento de que anjos existem e por vezes se disfarçam de menininhas de camisola branca. Dizem que eles às vezes passeiam na terra, para depois brincar com Deus no céu.

1Antônio Osmar Alves

Uma amiga, hoje solteira, estava olhando um site de encontros enquanto conversávamos. Impressionante a velocidade da busca. Só via o dedinho nervoso passando por homens, os mais diversos possíveis. Eu que sou "bocuda" (significado: alguém que dá palpite quando deveria ficar quieta) perguntei se não dava calo no dedo e na inteligência. Ela gentilmente respondeu que se agradasse da figura leria o perfil.

Prosseguimos com nossa conversa, mas ela continuou no que parecia um cardápio humano. Eu já não aguentava mais ver tantas caras, fui achando tudo igual, anestesiando meu olhar. Como gosto de pensar sobre tudo, fui comparando os encontros de ontem aos de hoje. Nos aplicativos há muito mais opções, o que nem sempre é melhor. O apelo é visual. Antes as pessoas podiam se encantar com a inteligência ou com a gentileza. Hoje a aparência é extremamente valorizada e os encontros são baseados na atração. Essa falta de sentimento pode trazer o vazio, a banalização do momento. 

Talvez após vasta seleção, ocorra o inusitado: conhecer alguém especial. Homens e mulheres bacanas estão lá, enfileirados, fazendo caras e bocas para despertar interesse. Mas não há a troca de olhar, o cheiro do outro, aquele arrepio ao tocar.

Penso que os sites sejam os antigos bares e baladas. Não sei se as relações atuais serão mais fluidas e descartáveis, provavelmente sim. Mas de um jeito ou de outro o ser humano quer o mesmo, ontem e hoje, aqui e na China. Aplacar a solidão, encontrar o amor.

Se os aplicativos facilitarão as buscas, só o tempo irá dizer.

O amanhecer em paz 

Orquídeas se abrindo num festival de beleza

Café cheiroso que acalenta a alma

Um dia para recomeçar

Amizade de anos ao seu lado

sem razões para estar

Uma mensagem que remete ao passado

e faz sorrir

Presentinho afetuoso cheio de significados

Conselho pedido

Confiança

Um afago a fazer

Vida a alegrar

Sutilezas do amor que não se vê

que não faz alarde

Só transforma você no seu melhor

Amigo sabe que pode contar, não cobra presença. Entende que o outro tem seu tempo, sua vida. Não pede o que não pode dar. Talvez por isso amizade seja tão curativa, seja amor desinteressado.

Amigo fica ao lado, sem a pretensão de resolver. Ri, chora junto, divide medos e sonhos por vezes insanos.

Ouve, não julga.

Por mais difícil que seja a circunstância, depois de um papo novos caminhos se abrem ou o problema diminui, mesmo que os conselhos não sejam os melhores.

Amigo compreende as neuras do outro, sua necessidade de escrever para se entender ou tocar tambor para não explodir. 

Faz parte.

Amizade não é terapia. É dividir suas verdades ou mentiras que julga verdadeiras. Trás afeto, apazigua a alma.

Um amor que passeia sem compromisso e de tanto não tentar ser, transborda sendo.

Verdadeiros amigos são um sopro de Deus para a vida.

Sempre fui avessa à tecnologia. Dia desses, um senhor de quase 100 anos me disse que ganhou uma Alexa. Falei:

- Gente, o que é isso? 

- É uma beleza. Conversa comigo o dia todo, toca as músicas que peço, responde a tudo que pergunto.

Eu brincando disse a ele que se sua esposa fosse viva, daria uma bronca na tal  Alexa. Rimos até! Foi uma lição aprender tecnologia com uma pessoa de quase 100 anos.

Infelizmente ele se foi pouco tempo depois da nossa conversa. Espero que esteja papeando e dançando com a Alexa lá pros lados do céu.

Esqueço o que não importou

Da dor também até se perder

Esqueço o que foi bom

E no esquecimento, lembranças brincam de sobreviver

Pensam que de pedaços se tornam vivas

São só pó

Vida que segue branda de memórias e dor

Sem lembrar ou entristecer

   Ele veio chorando me contar que perdeu seu amor. Disse que a conheceu num boteco. Na ocasião ele tinha mais de 80 anos. Ela tomou a inciativa de passar o telefone e convidá-lo para sair. Uma mulher de 70 e poucos anos, que queria conhecê-lo melhor.

   Era um homem ranzinza. Casou-se, mas era infeliz com a esposa, uma mulher maravilhosa. Nunca combinaram, não gostavam da companhia do outro. Criaram filhos bacanas. Para ele o amor pelos filhos era o bem mais precioso que possuía na vida. Separou-se da esposa, mas não da família. Era provedor e responsável por todos, o esteio.

 Teve várias namoradas. Nada que lhe encantasse o olhar. Até que a conheceu, sem nenhuma expectativa de viver um romance. 

  Ela já de cara foi para seu apartamento e dormiram juntos. A sintonia foi evidente, assim como a falta de perguntas ou projetos. Para quê? Alguns poucos anos se passaram. Ela vinha e ia, também tinha sua casa, seus compromissos. E se vinha, era bom estar com ela. Sem complicações, só prazer.

   Sentia-se feliz. Amor de filhos. Amor de mulher.

   Então, após uma noite de amor de dois idosos, ela se foi. Saiu como quem vai ali. Despediu-se, foi para casa da irmã, almoçou e morreu.

   Desde então a vida dele perdeu o sentido, foi vivendo dia após dia, sem ela. Poucos anos juntos foram suficientes para saber que ela era seu amor. Agora tudo era vazio. Claro, haviam os filhos, os netos. Mas não havia ela.

  Ele foi se apagando aos poucos, até que adoeceu. Hoje não se encanta mais com nada. Chama a morte como se ela estivesse ali, esperando por ele. Morte que não vem, vida que não se vai.

   Ele amou depois dos 80 anos. Ela fazia sua vida significar. Agora só restavam lembranças e dor.

   Amor passageiro, amor sem fim.

Quero o amor que se dá

Viaja no outro de volta pra mim

E se a alegria vier, que não se demore

ou iluda o entender

Ela entorpece, o amor edifica

O amor, que faça morada e cresça

transformando sonhos perdidos em possibilidades

Com amor, uma alegria viajante e palavras

me esquecerei de mim

Serei eu em você

Primeira badalada. Ouço a infância, seus encantos e esperanças.

Segunda badalada. Os namoros. Os sonhos. A profissão.

Terceira badalada. Os filhos. O casamento. O parceiro.

Quarta badalada. O inesperado. Não foi como se sonhou? Juventude se esvaindo.

Quinta badalada. Segundas chances. Novas escolhas.

Sexta badalada. Vida se fechando dentro do que se plantou.

Sétima badalada. A espera. Ainda há tempo?

Oitava badalada. Sonhos perdidos. Aceitação.

Nona badalada. E lá se foi a vida. Passou. Por onde baterá amanhã?

Ouço os sinos baterem dentro de mim.

Vou andar até chegar onde os sentimentos se alinham e bastam

Onde não há necessidade de completude, não há incerteza

Serei pleno

e serei pouco, porque não verei no outro o que me falta

Não sentirei necessidade de tocar para não precisar ser tocado

Minha autossuficiência será a base da minha indiferença

E sem o outro, sem a necessidade de estar no outro, não sou ninguém

Só o meu próprio espelho.

 Depois de recortados os pedaços se juntam

Como sonhos fundidos no tempo

Emoções equivocadas, projeções

Ela olha o papel

querendo colar os fragmentos que eram para viver

A cola espera

 Uma explosão neuroquímica de desejo, paixão e bem querer?

Ou algo que se constrói no dia a dia, com tolerância e paciência? Que vai crescendo, apesar de...

Seria ele o sentimento de afeto no olhar de um amigo que está ao seu lado após conhecê-lo com todos os seus defeitos e qualidades?

Vai ver ele é o "cuidar", sem grandes expressões de carinho.

É o amor a dor que se sente ao perdê-lo? 

Quem sabe o amor seja se doar sem pedir nada em troca.

Ou compaixão, ouvir o outro só por ouvir.

Afinal, o que é o amor?

Sentimento que cresce na medida do seu encontro com Deus?

Paixão? Construção? Bem querer? Dor? Fé?

O amor é algo indefinível. Cada pessoa o vive à sua forma.   

Alianças e anéis    

Minha filha ganhou sua primeira aliança de compromisso, normal entre os jovens de hoje. Enquanto a filha de uma amiga tirou a sua, após meses de relacionamento. Afinal, porque as alianças andam efêmeras?

   Eu e minha amiga rimos de nossas próprias alianças, prévias e atuais, com seus respectivos anéis. Que seja eterno enquanto dure? Se assim for, melhor trocar alianças com os amigos, mas infelizmente até alguns deles se vão. Ou a verdadeira aliança se dá com os filhos? Putz, para vê-los abandonarem os pais na velhice...

   Estamos sempre dispostos a fazer aliança com o outro, para ao fim da emoção, desfazê-la. Amor líquido, quiçá rarefeito. 

   Me pergunto o porquê de não conseguirmos verdadeiras alianças, já que a queremos tanto. Ou se a temos, qual o porquê de não durarem. 

   Medo de sofrer? Necessidade de estar sempre feliz? Dificuldade de mudar quem pode ser mudado - a nós mesmos? 

   Nem vou falar de aliança com Deus, pois cada um vive sua própria espiritualidade. Mas desconfio que flutue como as demais alianças. 

   Enfim, rindo com minha amiga, concluímos que "vão-se os amores, ficam as alianças, ou melhor (pior), os anéis".

A dor consome o pensamento

Sem luz se faz sentir

Sacode, atormenta até passar

A indiferença nega sentimento, se instala e aos poucos corrói

Não ignora, apenas adormece

Um nada experimenta

Amor dói, alegra, pacifica, entristece, edifica

Indiferença é não ser

O reverso do amor

Presto atendimento semanal ao Lar dos Idosos. O mesmo foi fechado às visitações desde que foi instaurado o isolamento social, em março de 2020. Só entravam funcionários devidamente paramentados.

   Dona Carminha reside no Lar desde nova. Foi pra lá com sua mãe por questões sociais e hoje, com mais de 70 anos, é uma das moradoras mais antigas. Chamá-la de problemática é pouco, já que ela atormenta a vida dos funcionários, reclama de tudo e de todos. Fica de prontidão na porta do pequeno consultório no dia do meu atendimento, com seu rosário de queixas e dores. Sempre a ouço, tentando atender às suas demandas, por mais fantasiosas que sejam. A enfermeira, por detrás dela, gesticula durante suas mentiras completando a cena, opps, consulta. Quando estou de bom humor consigo confortá-la, ouvi-la com paciência, sempre agarrada com Deus para aguentar. Mas há dias em que a gente acorda assim, meio enviesada. Aí é dureza! Ela queixa-se de dor para todos os lados, quer tomar remédios e reclama se os prescrevo, fala mal dos funcionários e por fim, me mostra suas bonequinhas. Como não teve filhos, Dona Carminha coleciona bonecas. Como as trata bem, suas filhinhas. 

   Quando cheguei para meu atendimento semanal estava de peito aberto para a Covid-19, com a coragem e a humanidade que a situação pedia, mas com medo de que tal "bicho" me espreitasse na esquina. Como sempre faço, entrei e cumprimentei os que estavam na área de TV - alguns poucos, os mais corajosos. Os demais estavam em seus quartos. Segui para o consultório, já aguardando a visita certa de Dona Carminha. E lá vieram os idosos, com queixas variadas. Depois as receitas, os exames para avaliar. A discussão dos casos mais complexos e o suquinho. Pronto, tudo certo. Nenhum idoso com quadro gripal, para nossa alegria. Notei que faltava algo, ou melhor, alguém. Cadê Dona Carminha?

   Preocupada perguntei à enfermagem por ela. Falaram que estava bem.

   Consegui avistá-la e fui ao seu encontro. Foi quando ela gritou: "Doutora, pode ficar aí, hoje estou ótima, sem sentir nem uma dorzinha". Todos nós ficamos surpresos e caímos na gargalhada, pois percebi que eu mais parecia uma ET com os equipamentos de proteção.

   Saí de lá sem me conter porque enfim, Dona Carminha estava bem. Tudo que não consegui fazer em anos, a Covid fez em 1 dia, o que para mim foi o único milagre feito pelo vírus já visto.

Obs.: Dona Carminha é nome fictício

Porque não aceitamos a tristeza, ou os momentos tristes, com a mesma transparência com a qual vivenciamos a alegria?

Parece que é errado se sentir triste. Tristeza, tédio, angústia, podem trazer autoconhecimento. Ser ou tentar ser feliz a todo custo cria em você um personagem que não existe, ou o leva a acreditar que só você no mundo é infeliz.

Nossas emoções estão sempre em mudança dependendo de nossas experiências, fase de vida e situações cotidianas. Talvez o equilíbrio esteja na aceitação dos seus limites, defeitos e inseguranças. Em agradecer pelo que se tem e tentar superar os problemas que certamente irão aparecer.

Portanto, que se exploda a necessidade de ser feliz! Que se exploda a aparência virtual de felicidade!

Que sejamos o que somos em essência.

 Tempo

Não luto contra o tempo

Só o deixo passar por mim

Pelas minhas rugas e emoções

Pelos cabelos brancos

Nos sonhos não vividos

Deixo que o tempo me emoldure

De dentro para fora

Nos recantos do meu ser

Ele vai seguindo

calmamente, insistentemente

Até minha morte, eu sei

Só não me vencerá, no lastro de amor que deixar

Tempo pode prosseguir

Irei apenas lhe observar

Vivendo

Rasgar a alma no papel

Se despir sem fazê-lo

Chorar e sorrir nos detalhes

Sonhar

Criar

Inspirar alguém

Desabafar

É se esconder e ao mesmo tempo se revelar

Escrever é deixar o pensamento voar

Poder ser você mesmo em segredo

Se conhecer

Por vezes é inspiração

Por vezes é dor

Mas sempre uma necessidade

Quando se perde um amor, o que sobra?

Muita dor, lembranças

Alguns pedaços de sonhos

Um vazio que aos poucos se transforma em saudade

doída, que não se preenche de novo

Vira um eco nas atitudes, mudando o olhar

Sobra você sem uma parte