Sobe galinha-preta, sobe galinha-preta

By Marlise Vidon - 12/27/2022 07:07:00 AM

Infância no interior de Minas tem seu charme. Nasci em Laranjal, cidade pequena, daquelas em que placa de "seja bem-vindo" é a mesma de "volte sempre". Quase não tinha carro na rua que a noite, virava campo de "queimada" e futebol. Nossos melhores amigos eram os vizinhos. Dia de chuva... famílias nas varandas. Por certo se acabasse a luz e parasse de chover tinha "galinha-preta", o que sempre acontecia pois mais faltava do que tinha luz.

Não que ser humano do interior fosse diferente ou especial. Olhando para dentro das casas, pela lupa, lá estavam as brigas, os problemas, a dor. Mas dia de chuva era diferente. O tempo parava para o amor entrar, mesmo que fosse embora à seguir.

Tempo fechava e lá íamos nós para varanda. Goteiras em todos os cantos, panelas pelo chão onde se ouviam os "plins" das gotas caindo. Junto à raios e trovões, o som de nossas vozes: "B6... submarino, C4... porta-aviões". Eu e meus irmãos jogávamos o Playstation de última geração da época: Batalha Naval. Minha mãe esperando que alguém coçasse suas costas, o que sempre sobrava para mim, a caçula.

Aquele cheirinho de terra molhada se misturava ao canto da chuva caindo na rua. Se fizéssemos barquinhos de papel, dava para vê-los descerem com a correnteza pela calçada. E assim a noite encantava e sorria dentro de mim.

Fim de chuva, sem luz, era hora de "galinha-preta". Rapidamente alguém aparecia com o jornal enquanto outro o formatava formando um balão improvisado, que para nós parecia uma galinha. Aí era colocar fogo nas pontas e gritar:

- Sobe "galinha-preta", sobe "galinha-preta".

E lá ia a galinha iluminando a escuridão, até o céu.

Hoje as chuvas causam enchentes, perdas financeiras e humanas. O clima mudou, as pessoas mudaram. A tela do computador substituiu a varanda e a conversa em família. Até as "galinhas-pretas" foram proibidas devido ao risco de incêndio. A meninada não se conhece ou brinca mais. Crises de ansiedade e pânico são comuns entre adolescentes, que se empanturram de remédios para dormir e acordar. Acalmar e estimular.

O amor que vinha com a chuva acalentar, hoje se fecha na tela do computador, do celular, do marketing virtual, com belas cenas e sorrisos. Pura falsidade. O mundo não consegue parar para brincar. Há uma pressa em viver como se não fosse a morte o destino final.

E a inocente "galinha-preta" não sobe mais, exceto nos meus sonhos de menina, rodeada de bem querer no interior de Minas Gerais. Ela fica à espera de alguém que tenha tempo a perder com pequenas emoções. Que se desconecte e grite:

- Sobe "galinha-preta", sobe "galinha-preta".

Para então subir e brilhar no céu de quem queira sonhar. 






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