Menina veneno

By Marlise Vidon - 2/07/2023 08:17:00 AM




A ganhadora da promoção é Marlise Vidon Alvarenga, que deu a melhor resposta para a pergunta: "qual música do Ritchie marcou a sua vida e por quê?"

 

Confira abaixo a resposta da Marlise:

 

"Menina veneno". 

Meu pai estava internado no interior de Minas, aos 90 anos. Fui para o Hospital avaliá-lo, já que além de filha era também sua médica. Saí de Belo Horizonte e após 5 horas de viagem, cheguei para acompanhá-lo. Ele estava agitadíssimo, arrancando a sonda, pedindo para soprar sua testa, lavar a dentadura e passar álcool nas pernas. Já de madrugada e nada do meu pai dormir, eu mal conseguia parar em pé de tão cansada. Lembrei-me de um pen drive que levei com boleros antigos e as músicas preferidas dele, do Roberto Carlos. Coloquei para tocar. Meu pai finalmente se acalmou e dormiu. Eu desmaiei ao lado, ainda segurando suas mãos para que não arrancasse a sonda gástrica. Após alguns minutos preciosos de sono, do nada o som aumentou e tocou: "Menina veneno você tem um jeito sereno de ser, e toda noite no meu quarto vem me entorpecer, me entorpecer". Acordei assustada e quando olhei para o lado meu pai estava com os olhinhos abertos cantando junto. Tive que rir, para depois voltar para o ritual de lavar a dentadura e soprar a testa. 

Meu pai faleceu alguns dias depois. Teve uma boa vida, foi no momento certo. E agora quando ouço "Menina veneno" é nele que penso com saudades, boas lembranças e todo meu amor.


Menina veneno

Meu pai aos 90 anos, estava internado no interior nos seus últimos dias de vida, agitado, com sonda para alimentar. Nós familiares, queríamos vê-lo confortável e tranquilo.
Sempre que podia, ia de BH à Muriaé passar o fim de semana no hospital. Minha sobrinha querendo agradar ao avô, selecionou numa playlist músicas calmas, boleros antigos e o cantor favorito do pai: Roberto Carlos. Levei para presenteá-lo.
Após 5 horas de viagem, cheguei em Muriaé e fui direto para o hospital. Estava morrendo de saudades, querendo ajudar no que fosse possível. Claro que como médica fui examiná-lo, avaliar a prescrição, etc. Lá para 16 horas do sábado, dispensei meus irmãos, a esta altura exaustos e aliviados com minha presença.
Começou a bater um cansaçozinho da viagem... mas daria meu melhor ali, afinal era eu a filha médica. O relógio marcava 21 horas, eu segurando as mãos do meu pai para que não arrancasse a sonda, tentando simultaneamente fazer tudo que ele me pedia: soprar a testa, lavar a dentadura, passar álcool no pé, então me lembrei da playlist da Betina, minha sobrinha. Era isso que faltava: música relaxante! Liguei o som e os mais belos boleros começaram a tocar no quarto. E neca do Zé Alvarenga dormir.
Lá pela meia-noite minha paciência já estava voando pela janela, Roberto Carlos dando o que tinha na playlist e meu pai: "coça meu pé, lava minha dentadura, abana minha cabeça". Eu com cansaço misturado à amor e impaciência.
Enfim, uma hora da madrugada, meu pai adormeceu. De levinho me sentei ao seu lado, ainda segurando uma de suas mãos para que não arrancasse a sonda (a outra mão já havia entregado para Deus). Então em alto e bom som, a playlist pulou subitamente para: "menina veneno, você tem um jeito sereno de ser e toda noite no meu quarto vem me entorpecer, me entorpecer".
Claro, meu pai abriu os olhinhos e aí já começou: "lava minha dentadura, sopra minha orelha"...
Assim foi até 07:05 h da manhã de domingo, quando finalmente minha irmã chegou para me render, após um atraso absurdo de 5 minutos! Nem conseguia falar de tão cansada. Acho que murmurei: "tô um caco".
Meu pai faleceu algum tempo após esse episódio. São esses os momentos vividos que mais me dão saudades e fazem rir, com a certeza de que onde ele estiver, terá sentindo todo amor que compartilhei.
Fui embora descansar naquele dia certa de que ser médica é fácil. Difícil é ser cuidadora dos pais.

PS.: meu pai arrancou a sonda assim que amanheceu

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