Eu e minha amiga no zap, mensagens indo e vindo:
Finalzinho de ano dá uma aflição
Trânsito louco
Compras e mais compras
Muita pressa
Necessidade de ser feliz
Como se do consumo viesse a luz
De repente o tempo para
Respiramos para entender
Qual o sentido?
Só há o amor
Natal é Jesus
Há caminhos divididos
Ficar ou despedir
Acomodar ou partir
Para o nada, para o desconhecido
A solidão sem medo de sentir
A própria companhia
Os pensamentos
O envelhecimento
A dor
Caminhos novos
Páginas em branco
Sol a brilhar
Flor por abrir
Solitude
Montado em sua moto, tal qual Vital do Paralamas do Sucesso, lá foi ele cuidar de sua saúde na capital. Com a camisola aberta mostrando a bunda, sem conter o abdome sarado por cervejas e belisquetes, chegou a hora de fazer o tal procedimento nos olhos. Antes já tinha brigado na internação que não se solidarizou com suas vestes e o deixou esperando no corredor pelo tempo burocrático da liberação de guias.
E com toda razão do mundo, esbravejando, fez as injeções e saiu feliz do procedimento, pronto para a rodada de vinho e linguiça da noite.
- E como foi hoje? Perguntei.
- Tranquilo - ele disse.
- Nenhuma contrariedade?
- Acredita que não, hoje correu tudo bem.
E tão calmo quanto nervoso, o que era de sua natureza, saiu sorrindo contando nos dedos a data da sonhada viagem de moto, rumo ao norte do Brasil. Com os olhos crivados de injeções e a vida repleta de insatisfações, sentado em sua moto ele é o que sempre foi, um garoto sonhador.
Sem poses, saias insinuantes, cílios postiços ou unhas falsas
Sem face esculpida
Sou de sorriso fácil
peito aberto
frases não ditas
rugas incluídas
Não sou fantasia enrustida
Vaidade
Sou cheiro de pele
bafo de cerveja
cansaço ao fim do dia
Com as mãos frias, toco o mundo ao calor dos meus sonhos
esquecidos no jeans surrado
no suor desmedido
Não sou sonho recortado
do tempo, das desilusões
Sou pouco além dos meus defeitos
Um nada estampado de amor
que me invade, move
E apesar de tudo
Sou feliz, mesmo assim
Você espera, eu espero
E juntos perdemos a hora
Parece que às vezes não há respostas
Só o dia, a chuva fina, o sentimento nublado
A leve percepção de alegria
Nada claro
O amanhã escondido nas escolhas de hoje
A incerteza
Sabe aquele dia que do nada você acorda e sorri?
Sem nada a dizer
Nada a pensar
Só o canto do pássaro embalando o silêncio e a paz que há no nada
No tudo que é de Deus
Chego a ouvir o pio
Ela olhou para dentro da loja e disse: “não preciso de nada daí”. Como alguém chega ao lugar de completo desapego?
Hoje entendo perfeitamente o que ela sentia e valorizava: o instante junto à filha. Nada na loja significava mais, ela já tinha tudo.
E assim ela começou a me contar sua história, com a frase dita pelo namorado.
Eles foram apaixonados quando jovens, mas cada qual seguiu seu caminho. Ela se casou, ele também. Ela foi infeliz, ele ao contrário viveu muito bem com a esposa até seu falecimento. Alguns dias depois do enterro da esposa ele a procurou e propôs um namoro, com as palavras acima. Ambos com quase 80 anos, iniciaram um relacionamento.
Saíam juntos, dormiam juntos, sexo era pouco mas o suficiente. Viraram unha e carne, onde um ia o outro acompanhava. Era como se o tempo não tivesse passado.
Hoje ela veio me dizer que ele faleceu há dois meses. Disse que passou mais de 30 anos com o primeiro marido e não sentiu nada quando ele morreu, mas que agora era diferente, tinha perdido seu grande amor. Já idosos, ficaram juntos por 1 ano e 7 meses.
Ela está sem chão, como alguém que ganha e perde na loteria ao mesmo tempo, com um olhar mágico, reflexo da dor misturada ao amor. Linda, triste e radiante, me olhou e disse: “e agora?”
“Pelo menos você sentiu esse amor”, respondi.
Ela concordou.
Saí para respirar.
Mãos entrelaçadas
Sorrisos largos
Conversa boa
Relacionamento longevo
Amor?
Gosto de pessoas que me remexem, irritam, me tiram do eixo
Que me incomodam
Porque repenso o meu eu errado, talvez até certo
Aquele que deixei mornar, a vida amansar
Porque mudar me deixa frágil, exposta
A quê?
A mim talvez
Diferente do que pensei
Gosto sem gostar
E se…
a chuva não chegar
o sonho acabar
a porta bater
o cabelo cair
a ruga aumentar
o quadril crescer
a pele ressecar
o amor rejeitar
a solitude esquecer
o envelhecimento não temperar
a sabedoria encolher
E se depois de tudo não entender
Resta escrever
Escrevo frases interrompidas, palavras não ditas, sentimentos misturados
soltos num diário com cheiro de poesia
Olhos tristes, de amor
De um tipo que luta consigo mesmo
suporta, vence
Olhos distantes, profundos, honestos
De sonhos largados,
reflexos
Dias de bem querer
Noites sem lua cheia
De tão azuis, brilharam além do que deviam
Pareciam luz,
lembranças
de um amor perdido no tempo
Esses lindos olhos azuis encantaram a mim
Fizeram querer mais
Plantaram a angústia de não poder
Sugaram os meus castanhos
Fizeram guerrear por você
Minha querida
Hoje seus olhos estão no meu olhar
Não adianta remendar relacionamento com uma cola que não cura a diferença.
Há que se ajustar o gênio, humor, porém questões básicas inerentes a cada um permanecem.
Na carência, a tendência é supervalorizar o desejo e o que se colhe é mais tempo perdido com alguém sem afinidades.
Um círculo que não leva a nada, exceto aos mesmos erros.
Aos 80 anos, sentada no meu telhado vou repensar o amor. Ali envolta por nuvens que distraem a memória, quieta, sem esperar nada, vou enxergar a verdade com os olhos esmorecidos pela embriaguez que antecede o saber.
Aos 80 anos, perto de Deus e nua de mim, vou compreender o querer sem querer mais, distante do chão que andei.
Aos 80 anos, entregue ao desconhecido, vou sentir o que nunca entendi. O amor, enfim.
Antes de virar uma foto na parede quero rever minhas escolhas, esquecer o que me magoou.
Abraçar cada momento ao lado de quem me faz bem.
Brincar mais, me alegrar com menos.
Agradecer os gestos de amor, retribuir sem precisar.
Antes que seja pendurada vou ser tudo o que pensei porque vou querer menos, doar mais.
E assim, aos poucos, vou juntar ao meu retrato momentos de delicadezas.
Antes de ouvir bem de longe meu tataraneto perguntar: quem é aquela na parede?
Vou plantar no agora a resposta.
Se entregar ao desconhecido sem se importar com a rotina ou em viver a dimensão presente,
algo próximo ao desapego que desistiu de lutar contra si.
Talvez a verdade.
Poucas paredes e um telhado de pássaros
Com a coragem de envelhecer ao lado
Sentindo cheiro de costelinha
Vendo o pôr do sol cegar a lua cheia
De um amor tão calmo que se não fosse o tempo
se abrigaria na eternidade
A razão mantém o fio da loucura encapado
e a poesia com nexo se distancia do inconsciente
Lembro bem da foto acima, do Natal 2023, na casa da minha irmã. Uma confusão de gente subindo a escada, sobrinha brigando comigo porque suruquei o cabelo da minha mãe, meninada correndo, sem parar no colo da bisa para tirar foto. Filha sendo arrastada para passar o fim do ano no interior com a família, além do espumante fazendo efeito e liberando nossos sorrisos.
Para quem vê a foto parece ser uma família perfeita e feliz, mas estamos tão longe disto.
Infância de entrelinhas, casamentos desfeitos, um furacão nos arrastando com a perda da minha irmã, parecia nossa destruição. Não fomos poupados da dor, se é que alguma família é, mas de alguma forma nos mantivemos unidos, muitas vezes em silêncio entendendo a dor do outro.
Sem dizer “eu te amo” fomos nos equilibrando nesta escada, envolvidos por um bem querer imenso que abraça e ampara.
Hoje digo sem pestanejar, olhem para foto: XIS. Porque entre nós até os sorrisos são verdadeiros.