Olhos tristes, de amor
De um tipo que luta consigo mesmo
Suporta, vence
Olhos distantes, profundos, honestos
De sonhos largados, reflexos
Dias de bem querer
Noites sem lua cheia
De tão azuis, brilharam além do que deviam
Pareciam luz, lembranças
de um amor perdido no tempo
Esses lindos olhos azuis encantaram a mim
Fizeram querer mais
Plantaram a angústia de não poder
Sugaram os meus castanhos
Me fizeram guerrear por você
Minha querida
Hoje seus olhos estão no meu olhar
Não adianta remendar relacionamento com uma cola que não cura a diferença. Há que se ajustar o gênio, humor, porém questões básicas inerentes a cada um permanecem. Na carência a tendência é supervalorizar o desejo e o que se colhe é mais tempo perdido com alguém sem afinidades. Um círculo que não leva a nada, exceto aos mesmos erros.
Aos 80 anos, sentada no meu telhado vou repensar o amor. Ali envolta por nuvens que distraem a memória, quieta, sem esperar nada, vou enxergar a verdade com os olhos esmorecidos pela embriaguez que antecede o saber.
Aos 80 anos, perto de Deus e nua de mim, vou compreender o querer sem querer mais, já distante do chão que andei.
Aos 80 anos, entregue ao desconhecido, vou sentir o que nunca entendi. O amor, enfim.
Antes de virar uma foto na parede quero rever minhas escolhas, esquecer o que me magoou.
Abraçar cada momento ao lado de quem me faz bem.
Brincar mais, me alegrar com menos.
Agradecer os gestos de amor, retribuir sem precisar.
Antes que seja pendurada, vou ser tudo que pensei porque vou querer menos, doar mais.
E assim, aos poucos, vou juntar ao meu retrato momentos de delicadezas.
Antes de ouvir bem de longe meu tataraneto perguntar: quem é aquela na parede?
Vou plantar no agora a resposta.
Se entregar ao desconhecido sem se importar com a rotina ou em viver a dimensão presente.
Algo próximo ao desapego que desistiu de lutar contra si.
Talvez a verdade.
Poucas paredes
e um telhado de pássaros
Com a coragem de envelhecer ao lado
sentindo cheiro de costelinha
vendo o pôr do sol cegar a lua cheia
De um amor tão calmo
que se não fosse o tempo
se abrigaria na eternidade
A razão mantém o fio da loucura encapado
e a poesia com nexo se perde do inconsciente
Lembro bem da foto acima, do Natal 2023, na casa da minha irmã. Uma confusão de gente subindo a escada, sobrinha brigando comigo porque suruquei o cabelo de minha mãe, meninada correndo sem parar no colo da bisa para foto, filha sendo arrastada para passar o fim do ano no interior com a família, além do espumante fazendo efeito e liberando nossos sorrisos.
Para quem vê a foto parece ser uma família perfeita e feliz, mas estamos tão longe disto.
Infância de entrelinhas, casamentos desfeitos, um furacão nos arrastando com a perda da minha irmã, parecia nossa destruição. Não fomos poupados da dor, se é que alguma família é, mas de alguma forma nos mantivemos unidos, muitas vezes em silêncio entendendo a dor do outro.
Sem dizer “eu te amo” fomos nos equilibrando nesta escada, envolvidos por um bem querer imenso que abraça e ampara.
Hoje digo sem pestanejar, olhem para foto: XIS. Porque entre nós até os sorrisos são verdadeiros.
Não ouso escrever sem dor, dúvida, alegria
A paz me embota os sentidos
Fico só a contemplar
(pastar)
Acho que a poesia simples chega mais longe. Sem interpretações ou metáforas, expõe ao outro uma dor peculiar de quem a faz, um sentimento compartilhado entre pessoas que se identificam com palavras quietas, despretensiosas de sentido ambíguo, como a vida deve ser.
Vou me esconder sob as flores de maio
e pensar nas escolhas que fiz
Deixar passar o rio
de sonhos que esqueci
Olhando os pássaros amarelos, pardos
Cantarolar
Embaixo das flores de maio
Entender que envelheci
Escrever sem viver... errado ou outro jeito de sentir?
Ando tão quieta que às vezes um vento sacode dentro de mim
e saio para ver minhas nuvens, se há sol
Dispenso a tempestade mas receio perder
o tempo certo de amar
Vejo ao redor pessoas sumindo
Sendo sugadas pela morte
Sem saber ou querer
Sem se despedir
Me pergunto se a quietude é paz ou fuga
de respostas
Estou tão em silêncio que nem sei se devo cantar
Foto: Denise Vidon
Preocupação
Tormento da alma que luta contra a lógica da entrega
Quartos fechados
Na mesa do escritório um papel em branco, Word aberto na tela de mundos separados
Palavra escrita
Palavra muda que não fez eco
Em cadeiras diversas dedilhamos sonhos
Na noite solitária perdemos pele
Alguns sons ainda cantam na memória
Escolha não feita, medo
de ser feliz
de não ser feliz
Caminhamos em segurança
e de vazio revestimos nosso trajeto
Folha branca, tela muda
Amor dividido em outras vidas
Coração apertado, amor sem tamanho
Entrega impaciente, esperança claudicante
Medo de perder o que sempre foi de Deus
.
.
.
Mãe
O ontem foi melhor do que hoje
O hoje é melhor do que ontem
Quiçá amanhã
O que se vive esvai
Flui na atmosfera amorfa, pagã
E o presente é presente
Se sente
Na metonímia louca
Na monotonia íngreme
Na verdade lânguida
No amor apático
Na vida ausente
Na mente se sente
Presente
Que queres da vida
Amor
Amar somente
Calor
Erupção de sonhos
adormecidos sob as cobertas
de um tempo esquecido
no inverno de hoje
Decifra-me ou te devoro
A angústia de olhar para dentro e não saber o caminho
Vida de enigmas, alguns sem respostas, outros passeiam na inconsistência de nossos sonhos
Decifra-me para ser feliz, disse o monstro
Hoje me basta o ombro
o omelete, o seriado
Basta a companhia quieta
o mosquito ruidoso
o olhar doce isento de declarações
Me basta a pele normal
o gozo arranjado, o coração tranquilo
Hoje basta ver que não tenho tudo
Me sinto suave dentro dos sonhos que perdi
Por hoje me basta
Seria perfeito se o ser humano não tomasse seu significado como o deleite máximo do momento. Ao homem nunca bastam os prazeres e quando um desejo se realiza, outro vem à seguir. São os ciclos do querer.
Carpe diem pode não ser aproveitar ao máximo o presente. Pode ser se preencher naquele momento, não de situações variadas ou estímulos.
De si mesmo, de conhecimento, de Deus.
Só assim o momento se cristaliza.
Bom carnaval. Carpe diem!
Engano
Quando se sente um vazio
desses preenchidos pela dúvida
Resumo do equívoco
Loucura ou a razão é o oposto da intuição
Imaginação construída em projeções
de si
para si…
Completar
Pode ser o dia cinza
desses curtos que lhe roubam o tempo
Mas deve ser a verdade, aquela profunda que não dá para enxergar
com os olhos
Só com os sonhos
O prognóstico
Paciente com mais de 100 anos, em uso de inúmeras medicações para sono, ansiedade e humor, veio me dizer que não está vendo prognóstico algum de morte para si. Amo meus pacientes, eles saem e eu fico rindo das histórias (por vezes chorando).
Como alguém com mais de 100 anos, lúcido, não se vê morto num futuro próximo?
Penso que o envelhecimento e suas perdas nos preparem para despedidas. Porém a cada dia vejo mais e mais idosos aproveitando a vida, botando pra quebrar. Antes uma “senhora” de 70 anos tinha os cabelos brancos, usava vestido de florzinha e ficava em casa tricotando, esperando os netos e porventura a morte. Hoje idosos de 80 anos estão namorando, malhando, de cabelo pintado e roupa de ginástica. O que ocorre é que infelizmente nem sempre há suporte familiar e/ou aposentadoria adequados à mudança cultural.
Isto me remete ao meu próprio futuro, pois se irei viver tanto, sem garantia alguma de uma cognição que me permita ser independente, até que ponto compensa a evolução da medicina em prolongar a vida?
Novos tempos. Bons tempos?
Tão rara flor, discreta e bela
Seu cheiro atrai abelhas
De mel adoça a teia, intrincada de bem querer
Ou não querer
Aparece e se fecha
Dentro de suas folhas verdes
palavra solta sem sentido
dura pouco, o suficiente
para encantar e se esconder
Ora-pro-nóbis
Brilho das estrelas
amor perdido no céu
luz que se esqueceu de apagar